[Excerto do Curso Fundamental sobre a Ordem do Templo; Templar Corps International (c) 2008-2024; Luis de Matos]

Talvez não haja assunto mais controverso do que a questão da presença de mulheres na Ordem do Templo. Este facto deve-se à referência explícita na Regra Primitiva (1128) à exclusão de mulheres daquele ponto em diante, com algumas excepções, bem como à doutrina de Bernardo de Claraval, que considerava a mulher inadequada ao ambiente de guerra (por certo desencadeado na maior parte dos casos pela ira e a inveja masculinas), sendo por isso digna de protecção dos Cavaleiros e dispensada de combate.

Ora, a realidade procurou manter-se o mais próximo possível da Regra, contudo acabaria por acomodar situações bem diferentes ao longo do tempo.

Desde logo, o papel da mulher na guerra é atestado pela documentação medieval, onde temos testemunho de famílias inteiras que acompanhavam alguns dos principais Senhores os seus exércitos nas campanhas militares. Em geral elas tomavam parte nas tarefas de retaguarda e logística, longe do campo de batalha, mas ainda assim faziam parte de todo o esforço de guerra.

O caso das Ordens Militares era um pouco distinto. Desde logo a Regra Primitiva do Templo, de 1128, diz no seu ponto 70. que “Doravante, não sejam admitidas mulheres como irmãs na casa do Templo; por isso, caríssimos irmãos, doravante não convém seguir este costume”. Esta prescrição implica directamente que, entre 1118 (ano da criação da Ordem) e 1128 (ano da Regra), a Ordem tinha “esse costume”. Isto é atestado pelas várias doações, quem em Portugal, quer em Aragão, quer em Champagne, de quintas e propriedades por mulheres (em geral viúvas), que as colocavam ao abrigo da Milícia do Templo, mantendo-se como Irmãs, professando e nelas vivendo até à sua morte.

Alguns exemplos:

Em Mühlen, na Áustria, encontramos um convento templário de mulheres, rotulado oficialmente como tal. Em Palma de Mayorca acontece o mesmo.

Nos cartulários das casas templárias, há muitos registos de membros femininos da Ordem, pelo menos ao nível de associado Consoror ou Donata (irmãs leigas ou mulheres vinculadas à ordem por meio de doações).

Ermengarda de Oluja, juntamente com o seu marido Gombau, entrou na Ordem do Templo e doou terras. Eles foram claramente separados em casas diferentes, e Gombau desapareceu dos registos alguns anos depois, presumivelmente morto. Ermengarda, no entanto, é mencionada em documentos como Irmã da Ordem. Não uma irmã leiga, consoror ou donata, mas como uma irmã, equivalente a um irmão pleno.

Ermengarda é referida como uma preceptora, comandando a casa de Rourell na Catalunha. Mais tared como Comendadora no feminino (“comendatrix”). Portanto, não apenas temos uma Templária feminina, o que é proibido na regra, mas ela não é uma figura periférica. É uma figura influente na Ordem daquela região e até comanda um pequeno mosteiro Templário. Além disso, há o registo adicional de Ermengarda admitindo uma mulher chamada Titborga na Ordem como irmã em Rourell.

Após 1129, algumas mulheres que desejavam retirar-se do mundo ainda recorriam ao Templo, embora a regra proibisse novas admissões de irmãs. Por fim, um memorando escrito pelo Comendador Templário de Payns, Ponzard de Gizy, menciona a admissão de irmãs que prometeram pobreza, castidade e obediência.

“Os Mestre que fazem as ditas Irmãs do Templo, faziam-lhe prometer obediência, castidade e viver sem propriedades (…). Estas Irmãs que entravam eram desapossadas de tudo e traziam outras Irmãs mais novas com elas, que pensavam igual. Vinham à nossa religião para salvação das suas almas (…) e no caso de terem filhos, estes eram adoptados pelo Mestre para serem feitos Irmãos na nossa religião”.

[Muitos outros casos, pontuais, mas verificados e reais, podiam ser aduzidos.]

(…)

Em resumo, a Regra, composta por Bernardo de Claraval no início do século XII, corrigida “ao vivo” quando foi apresentada em Concílio por Hugo de Payens, era um texto central, mas muitas vezes admitindo excepções na prática.

Uma mulher podia entregar-se à Ordem juntamente com  os seus bens e família, sendo uma Donata. Ao mesmo tempo, a evidência mostra que uma simples consoror ou donata poderia tornar-se uma soror totalmente professa. Tudo indica que estas mulheres viviam mais a vertente monástica e não tanto a militar, mas há excepções em ambos os casos.

Assim, apesar da proibição em sua regra inicial, os Templários aceitavam mulheres que renunciavam aos seus bens e faziam os votos monásticos normais. Essa prática, excepcional, tanto quanto podemos perceber, não foi motivada ou proibida por qualquer decreto emitido pelas autoridades centrais do Templo.

É importante perceber que, durante o período histórico da Ordem do Templo medieval este era um assunto que admitia excepções. Uma vez suspensa a Ordem, as diversas linhagens de sobrevivência (explicadas no “Liber Novitius” da nossa Ordem e no Módulo 1 deste Curso), que incluem a Ordem de Montesa e a Ordem de Cristo, rapidamente se viram confrontadas com a alteração do papel da mulher na ordenação medieval.

Foi o caso de D. Beatriz (1430-1506), mulher do infante D. Fernando (1433-1470), duque de Beja e de Viseu. A 19 de Junho de 1475, o papa Sisto IV entregava à infanta D. Beatriz o governo temporal do mestrado da Ordem de Cristo através da bula “nuper carissimo”, para que esta actuasse como tutora do seu filho menor, D. Diogo. Pela primeira vez na história desta ordem militar e religiosa, uma mulher foi nomeada governadora, com plenos poderes.

Os tempos mudavam. Aos poucos por toda a Europa mulheres de excepção ocupavam lugares centrais nas monarquias (fonte de Honra na armação de Cavalaria). Foi o caso de Leonor de Aquitânia, ou da Rainha Isabel I em Inglaterra. Abria-se o espaço à mulher como fonte de Cavalaria. O mesmo aconteceu com as Rainhas Victoria e Isabel II, a quem jamais alguém pensou ou ousou questionar, não se podiam pertencer a uma Ordem de Cavalaria mas mesmo presidir como monarcas coroados a linhagens como a Ordem de São João, a Ordem da Jarreteira, a Ordem de São Jorge, entre muitas outras.

Nos dias de hoje a informação está disponível, a transformação histórica é bem vinda e justifica-e plenamente, sem perder o fundo tradicional e os princípios da Ordem, que saem reforçados. O papel da mulher na Cavalaria – e por isso mesmo na Cavalaria Templária – é hoje indiscutível e insubstituível.

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