Jacques DeMolay, Grão-Mestre dos Templários, amaldiçoou um rei e um papa enquanto era queimado na fogueira — começando um mito imortal
Há mais de setecentos anos, um cavaleiro moribundo proferiu uma terrível maldição enquanto as chamas da fogueira a que estava amarrado lambiam os seus pés. Essas palavras continuam a assombrar-nos até hoje.
Esse cavaleiro era Jacques de Molay. Grão-Mestre da Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão, geralmente conhecida como os Cavaleiros Templários.
Um pouco mais de dois séculos depois que os Cavaleiros Templários foram fundados entre os escombros de Jerusalém para defender a Terra Santa, muitos seriam queimados pelo fogo no coração de Paris. Traído por um rei em quem confiava e por um papa a quem jurara obedecer, nas suas horas finais DeMolay lutou fervorosamente contra as falsas acusações que destruíram a sua rede internacional de guerreiros cristãos.
A maldição do moribundo foi poderosa. E eficaz.
S’en vendra en brief temps meschie / Let evil swiftly befall / Que o mal lhes caia em cima depressa
Sus celz qui nous dampnent a tort / Those who have wrongly condemned us / Aos que nos condenaram por artimanha
Diex en vengera nostre mort. / God will avenge our death / Deus vingará a nossa morte
O Papa Clemente V, cúmplice por desígnio ou covardia, estava morto 33 dias depois — devido a um grave episódio de disenteria causado por um cancro avançado no intestino.
O Rei Filipe IV da França, que se havia regozijado por matar e difamar os defensores da cristandade pelas suas riquezas e terras, morreu em menos de oito meses. Desta vez, foi um acidente de caça.
Foi o acto final em num jogo de poder que faz as tramas de Game of Thrones parecerem simples lutas de recreio de escola. De Molay, estranhamente, ainda vive. Uma fonte contemporânea relata que um grupo de monges nadou secretamente até à sua pira funerária numa ilha no Rio Sena em Paris para reunir os ossos do velho Mestre como relíquia sagrada. O seu nome ecoou pela história desde então. O ideário da Ordem do Templo recusou-se a morrer.
Embora formalmente suspensa e os seus bens nominalmente entregues aos seus arqui-rivais — os Cavaleiros Hospitalários — houve redutos intocados onde os Templários mudaram de nome para escapar à perseguição. A bandeira preto e branca dos Pobres Cavaleiros se ergueria vez após vez ao longo da história, pelos oprimidos e por aqueles que buscavam associação aos seus segredos e mistério. E, como demonstram obras como O Código Da Vinci, Game of Thrones e Ivanhoe, é uma ideia que ressoa até hoje.
ASSINADO, SELADO — E ENTREGUE?
A última resistência de De Molay foi algo surpreendente.
A súbita prisão do Mestre e dos seus irmãos na sexta-feira, 13 de outubro de 1307 foi uma data que ficaria marcada pela infâmia de sua má sorte.
Foi uma operação extraordinária: os xerifes do rei Filipe por toda a França foram secretamente notificados para realizar as prisões coordenadas naquela mesma noite. Uma vez arrastados para enfrentar acusações fabricadas de heresia, sodomia e sedição, a igreja atónita parecia impotente para se defender a si mesma. A tortura fez o resto, rapidamente arrancando confissões para os crimes mais hediondos — incluindo a heresia.
Mas, em 1314, o escândalo tinha acalmado. A prisão e as acusações contra os Templários eram notícias antigas. O destino dos seus membros — e a sua riqueza — pareciam ser pouco mais do que uma formalidade. Uma comissão papal de inquérito foi designada para proferir o julgamento final sobre quatro dos comandantes mais graduados dos Templários. Dois dos inquisidores eram considerados homens do Rei — sendo próximos associados de Filipe “o Belo”. O terceiro cardeal era um dos amigos mais próximos do Papa Clemente. Naturalmente, o resultado era uma conclusão previsível.
Seria um julgamento público, cuidadosamente elaborado e conduzido sob o olhar atento da guarda da cidade do rei Filipe e de seus seguidores mais leais, realizado num andaime erguido em frente à famosa catedral de Notre Dame. Mas algo dentro do espírito De Molay tinha mudado. Os sete anos de tortura e prisão não o haviam enfraquecido. Tinham-no fortalecido e tornado mais decisivo. Na verdade, o Grão-Mestre tinha sido mantido em confinamento solitário no calabouço da sua própria fortaleza em Paris nos últimos quatro anos. Agora na casa dos 70 anos, o corpo de De Molay devia estar assolado por lesões, desnutrição e falta de luz solar.
Sair para a luz quente do dia e ver seus irmãos de armas novamente, após tanto tempo, deve ter inflamado o seu espírito de uma maneira que nunca antes tinha acontecido. Ele e seus colegas — Geoffroi de Charney, Hughes de Pairaud e Goeffroi de Gonneville — estavam vestidos com as suas túnicas brancas, adornadas com a cruz vermelha de sangue, e assim desfilaram diante da multidão. Era para ser a última humilhação.
O ÚLTIMO ACTO DE DESAFIO
O povo de Paris esperava um espectáculo. Uma performance. Uma tragédia. Eles conseguiram o que queriam — mas não o enredo esperado.
O dia, 18 de março de 1314, começou bem. A lista completa de acusações foi lida para a multidão: Heresia. Homossexualidade. Corrupção. Todos foram lembrados de que os comandantes Templários — incluindo de Molay — tinham confessado há muito tempo esses crimes terríveis. Era hora de passar }a sentença. Enquanto o cardeal sénior começava a ler um decreto anunciando que os três líderes Templários enfrentariam prisão perpétua, foi interrompido inesperadamente. Por de Molay.
O Grão-Mestre que aparentemente tinha confessado tão facilmente a tais pecados graves sete anos antes — e que tinha recusado a falar durante os julgamentos que se seguiram — finalmente encontrou a sua voz. Exigiu ser ouvido. Ali afirmou a sua inocência, e a dos seus irmãos. Acusou o rei e o papa de falsas acusações e de manipulação dos julgamentos. A multidão ficou chocada. Sabiam o que isso significava. Um espectáculo inesperado: serem queimados na fogueira. Tal era o destino de todos os hereges confessos que renunciavam aos seus crimes. Mas a performance ainda não havia acabado.
O velho irmão de Molay sob o sol abrasador da Terra Santa, Geoffroi de Charney, de repente assumiu o grito de batalha. Ambos se lançaram numa defesa contundente da sua inocência e num ataque incisivo àqueles que buscavam roubar as suas terras, o seu poder e a sua honra. Recriminaram os cardeais pela sua cumplicidade. Negaram enfaticamente as alegações e revogaram todos os particulaes das suas confissões anteriores de forma clara. De Molay e Charney conheciam as consequências. Assim como os dois oficiais Templários restantes — de Pairaud e de Gonneville.
Os cardeais ficaram chocados. Rapidamente fugiram da cena, à medida que o tumulto crescia. Os homens do rei sabiam o que fazer. Tal negação de culpa significava que o Grão-Mestre e o Preceptor da Normandia haviam anulado a protecção da Igreja e agora estavam sob jurisdição real.
O ACTO FINAL
O rei Filipe ouviu o barulho da multidão à distância. O seu extravagante palácio ficava a apenas algumas centenas de metros de distância. Este desafio ao seu enfraquecido poder e reputação precisava ser sufocado, e rapidamente. Convocou imediatamente uma sessão do seu conselho real. Nominalmente, seria para discutir e julgar sumariamente os dois hereges recaídos. O veredito era arbitrário, todos o sabiam.
O rei Filipe deu aos Templários o que eles queriam. Imediatamente emitiu o seu decreto: Jacques de Molay e Geoffroi de Charney seriam queimados na fogueira naquela mesma noite, na hora de Vésperas. O local da execução foi ordenado para ser um pequeno banco de areia no sopé da ilha no meio da Paris medieval, que formava o assento do poder real e religioso. Ficava à vista dos jardins reais e do palácio da ilha, e do Mosteiro de Santo Agostinho na margem oposta do rio Sena.
Enquanto isso, os Templários Hughes de Pairaud e Goeffroi de Gonneville foram levados por autoridades da igreja para cumprir as suas sentenças de prisão perpétua. Ambos morreriam em mortes prolongadas e miseráveis.
QUEIMANDO A BEATITUDE
De Molay e Charney foram empurrados entre a multidão agitada que enchiam as ruas de Paris. A notícia de seu destino final tinha-se espalhado. Ninguém queria perder o espectáculo.
Era o fim de uma era. Todos sabiam disso. Todos queriam ver como esse Grão-Mestre subitamente corajoso enfrentaria a sua morte. Cronistas da época contam como de Molay voluntariamente se despiu das suas roupas e caminhou até a pira vestido apenas com a sua camisa interior. Alguns dizem que pediu para ser amarrado à estaca com as mãos livres para que pudesse rezar. Todos descrevem um homem calmo e determinado, contente com seu destino.
À medida que as chamas se alastravam, parecem ter apenas incitado a raiva dentro do velho cavaleiro. O cronista de Paris escreveu:
Seignors, dis il, sachiez, sans tere, / Sirs, he said, know, without any doubt / Senhores sabei sem dúvida
Que touz celz qui nous sont contrere / That all those who are against us / Que todos os que estão contra nós
Por nous en arront a souffrir. / For us will have to suffer / Por nós terão de sofer
Era uma era de superstições. Enquanto as primeiras centelhas do Renascimento começavam a surgir – especialmente entre as novas universidades de Paris -, ainda havia uma crença no poder das maldições, orações e profecias. Os cronistas relatam “como gentilmente” Molay encontrou sua execução. Para a multidão silenciosa, isso só teria acrescentado poder às suas últimas palavras.
Charney, vendo a maneira extraordinária como o seu Mestre havia morrido, declarou que estava orgulhoso de se deixar queimar nas cores da sua Ordem e desejava fazer isso com a mesma graça. A piedade justa com que os dois cavaleiros foram imolados contrastava fortemente com as histórias de covardia, corrupção e heresia que a multidão parisiense tinha ouvido durante tantos anos. As suas mortes inspiraram tanta admiração entre a multidão que fundamentaram séculos de dúvidas sobre a sua culpa. Também inspiraram os mitos que aparentemente não morrerão.
O CÓDIGO TEMPLÁRIO
É uma história com uma relevância marcante para o mundo moderno.
Os Templários eram, essencialmente, uma corporação internacional. Uma rede de explorações agrícolas, propriedades, bancos e mercados que alimentavam uma burocracia repleta de lutas internas, propósitos divergentes e ambição sob o comando de um único CEO – neste caso, Jacques de Molay.
O governo do rei Filipe estava falido. Tinha desperdiçado a sua riqueza numa série de guerras fracassadas e caros monumentos celebrando o seu ego. Precisava de dinheiro. Precisava de rendas. Cobiçava o poder. A maneira como os corações e mentes do público piedoso da Europa foram manipulados, como o sistema legal foi manipulado e como a Igreja Católica intimidada capitulou ainda desperta temores de conspiração e corrupção em grande escala.
Mas os próprios Templários – como cavaleiros piedosos, como monges-guerreiros jurados a lutar pelas suas ideias – reflectem o nosso medo do terrorismo moderno inspirado na religião e das reivindicações justas daqueles que lutam contra ele. Adicione-se às acusações de heresia, magia e conspiração e temos a receita rica que poucos autores – e charlatães – conseguem resistir.
Ligaram os Templários ao Sudário de Turim, ao Santo Graal e à “linhagem de sangue oculta” de Jesus Cristo. De Ivanhoe a Indiana Jones, de Inferno a Assassin’s Creed, do Reino dos Céus a O Código Da Vinci – o mito dos Templários desempenha um papel central. O nome da Ordem tem sido invocado por sociedades secretas há séculos, buscando aproveitar o poder místico do nome dos cavaleiros.
É um poder ainda presente hoje: um dos cartéis de droga mais poderoso do México distorceu a imagem e o nome – o Cartel dos Cavaleiros Templários – para atender às suas próprias necessidades anti-autoritárias.
Mas deixemos de lado o mito e a confusão e encontraremos a história real da Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo do Templo de Jerusalém como totalmente fascinante por si só.
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