Peregrinação a Santiago, 2025

Peregrinação a Santiago, 2025

Toda a vida, toda a acção, toda a decisão que se deseja profícua e consequente, é feita por caminho conquistado passo-por-passo e dirigida a Oriente!

Hoje, bem cedo, pela hora de Laudes rumei (rumámos) a Tui sob forte chuva. Chegados à Catedral, as orações foram pela minha Família nuclear; por Todos os Irmãos; pelos pacientes e por Todos aqueles que partilham um pouco das suas vidas comigo e que me dão a honra e a responsabilidade de merecer a sua confiança; pela Ordem; pelo mundo e por Portugal.

1ª etapa

Proponho-vos, Irmãos, que possais algum dia retirar cinco dias do vosso tempo para sair do mundo e percorrer esta jornada espiritualizante, de descoberta íntima, de avaliação da jornada já feita na vida, de definições de propósito e missão pessoal, de eliminação de pesos e sobre-cargas que cada um carrega consigo… e de busca do Divino nas pequenas coisas!!! Que, estar no Caminho de Tiago é cumprirmo-nos na Igreja da demanda, da busca, da responsabilidade; é comungar e dissolver-se na Egrégora da Peregrinação para o campo de estrelas e, ao se coagular, sintonizar-se consigo mesmo e com a Igreja de Tiago.

Os Irmãos da Ordem que também são Peregrinos de Santiago percebem bem os espaços entre palavras do que disse!!! Ultreya et Suseia, tanto no Camino como na vida!!!

2ª etapa – de Mós a Pontevedra

A etapa mais desafiante desta doce e gratificante oportunidade de juntar pai e filha numa jornada íntima!!! Foi um dia longo, com muitas subidas e descidas numa completa imersão na natureza, em que somente nos cruzámos com três outros Peregrinos, mas que nos permitiu revisitar memórias de outras peregrinações, de voltar aos mesmos lugares e apreciar a emoção de reactivar a memória, de viver a História.

Hoje pisámos um caminho cujas pedras já havíamos trilhado há anos… cá voltaremos, se assim fizer parte da equação Divina!

Foram vários os momentos de plenitude, desde o murmulho de um ribeiro, uma capela isolada ou o vento nas árvores da mata… em tudo uma oportunidade de reflectir, de dedicar um pensamento aos Irmãos e de reconhecer a gratidão dos meus caminhos me terem levado, no momento devido, a bater à porta da Casa da Ordem e desta me ter sido caridosamente aberta… depois de um dia muito desafiante, quase 29km depois, agora é momento de agradecer e orar por completas as graças recebidas!!!

3ª etapa – de Pontevedra a Caldas de Reis

Uma etapa fluida, em que a oportunidade para reflectir, para perspectivar, para orar, para apreciar foi a constante. O recurso à tecnologia ficou para o final da noite.

Em Caldas existe um tanque que recebe a água enxofrada, quente, bem quente, na qual Todos se podem banhar… na qual os Peregrinos aliviam as pressões acumuladas ao longo do dia, na qual dissolvi o desconforto muscular que carreguei desde Lagos até aqui… lá foi com a água que corre cálida e fumegante pelo ralo da vida onde desejamos ver drenadas todas as condições e situações que nada acrescentam de valor positivo e progressivo ao Ser. Hoje é “dia dos Namorados”, tal como diz Pessoa, Fernando Pessoa: <<Amar é ir ao mar>>…

4ª etapa – de Caldas de Reis a Padrón

A etapa mais curta destes cinco dias, que se revelou numa oportunidade de dar descanso ao corpo e à mente. O que foi agradável em dia de aniversário!!! Como nos diz a Tradição: – tudo tem um tempo; há um momento para escutar, um momento para falar e, um momento para calar.

O silêncio é um exercício diário na Peregrinação, como tal deve sê-lo na vida. O que nos serve à peregrinação serve-nos totalmente para toda a vida!

Mas, sendo a etapa mais curta, foi notável perceber a evolução nas relações interpessoais entre os poucos Peregrinos que se encontram a cada dia.

O reencontro, o rever caras dia após dia, o perceber no outro o mesmo percurso e intenção que em nós mesmos faz com que as distancias se encurtem, as pessoas cooperem, os sorrisos e as conversas despontem. Como seria bom e agradável que o mundo fosse “peregrino”.

5ª etapa – de Padrón a Santiago de Compostela

Foi a última etapa desta peregrinação (se acaso, alguma vez, as etapas findam ou a peregrinação se esgota). Agora é hora de retornar a casa (sendo que o Caminho nos faz estar em Casa), voltar à realidade do mundo, aos hábitos, aos costumes, às rotinas, ao ciclo temporal, desejando que, a cada passo dado, a mente tenha cedido espaço à consciência e esta ao espírito , de forma a que a ressonância possa elevar-se uma oitava, um tom ou, pelo menos um meio-tom, no sentido em que tal é necessário e desejado!

Contudo é sabido que a seu tempo o Caminho “chama” e toda a chame “lume”… Hoje, ainda numa das primeiras subidas, dei por mim a pensar no quanto falta à nossa Sociedade de fraternidade. Mesmo na nossa rua, prédio, local de trabalho… quanto falta calçar as “botas” e atravessar essa ponte em direcção ao “outro”… e quanto falta de reconhecimento, de gratidão, de misericórdia, de Amor – falo de Amor Cáritas, a terceira dimensão do Amor, a mais profunda e universal (amor Eros, amor Philia e, amor Cáritas). E, deste pensamento, dei por mim a criar um paralelismo com o ser agradecido. O que, o Agradecimento, também tem em si uma tripla dimensão. Como dizia acima, tanta carestia existe desta na Orbe Humana!!! Tal como faltam vínculos reais e verdadeiros entre Todos. Por tal, algumas Sociedades, Ordens, Confissões, tratam-se por “irmãos”.

Já por aqui, nos pensamentos, o que, aparentemente, fez com que a jornada do dia fosse fluida, leve e rápida. De repente estou no autocarro a caminho do Algarve e, fica a sensação de que a “caminhada”, a jornada, a etapa desta peregrinação ainda não terminou!!! Obrigado a Todos os Peregrino com que me cruzei (nos cruzámos), pelas partilhas, pela cumplicidade de reconhecer um-no-outro (mesmo sem palavras) a identidade e o Telos que o fez chegar. O mundo continua a girar, mas sabendo que nunca é tarde, caminhemos, pois, mas num sentido distinto.

Fr+ Victor Varela Martins, KCTJ, OSMTHU
Comendador de Laccobriga, Portugal

templi

Website: